Sobre cebolas e armaduras

Há muitos anos uma amiga começou a me chamar de "cebola", ela justificava o apelido carinhoso dizendo que assim como uma cebola eu tinha "várias camadas" e quase todo mundo acessava apenas as camadas mais superficiais. Me identificava com o apelido, mas não questionei os motivos ou mesmo que camadas eram essas. Lembro-me que na mesma época eu escrevia constantemente sobre sentir que tinha uma armadura que quase ninguém conseguia transpor e que as vezes era pesada e desconfortável, me impedia de ter relações profundas e saudáveis e muitas vezes afastava as pessoas de mim. Sempre gostei muito de gente, das histórias, das trocas, dos relacionamentos, mas eu simplesmente afastava as pessoas.
Com o tempo e depois de muita psicoterapia, fui compreendendo que a raiva era essa armadura pesada, essa primeira camada da cebola que ficava exposta e que acabava ficando mais dura como forma de proteção. Já faz um tempo que venho compreendendo que já não preciso mais da raiva para me proteger, ela foi um elemento de proteção muito importante durante minha infância e adolescência, mas agora já não é mais necessária, tenho autonomia, noção de limites e cultivo relações saudáveis o que me permite abrir mão dessa proteção, posto que agora construí um lugar de segurança onde posso habitar.
Segurança... É sobre isso que vim falar neste texto. Agora que compreendi a primeira camada e a flexibilizei, fui obrigada a olhar para a camada seguinte e debaixo da raiva e das posturas defensivas adivinhem o que eu encontrei: a insegurança!
Logo eu que fui na maior parte da vida esse ser com tantas certezas absolutas, levantando tantas bandeiras, adorando se enfiar até o topo da cabeça em qualquer instituição que de alguma forma me desse orientações de quais caminhos seguir e no que acreditar. Logo eu essa mulher tão forte, que parece sempre saber exatamente para onde está indo e que deixa as pessoas ao seu redor com essa sensação constante de segurança. Sério?! Logo eu? Insegura, eu?!
Pois sim! Passei os últimos dois anos inteirinhos me debatendo com isso que estava chamando de síndrome da impostora e na realidade agora me dou conta de que era eu abrindo mão da primeira camada e tomando consciência da segunda. Antes me protegia com a raiva porque tenho medo, porque as violências que vivi me fizeram acreditar que as coisas eram ruins porque eu não era boa o suficiente, porque eu causava problemas ou por não ser capaz de solucioná-los. Me fizeram acreditar que o mundo todo é violento e que eu preciso gritar para conseguir o que quero, sair no soco para garantir meu lugar e agir de forma brutal (e de preferencia nem um pouco "feminina") para conseguir garantir algum sucesso na vida.
Agora que tenho aprendido a cuidar da minha criança interna, a compreender toda a dor que ela ainda sente, a acolhe-la em todos os seus medos e inseguranças, a mulher que sou se torna capaz de tirar a armadura aos poucos para se permitir sentir a vida, desfrutar do próprio corpo, se entregar as relações.
Não sei quais são as próximas camadas, mas já consigo enxergar melhor essa versão de mim que é mais segura, mais aberta e mais leve na maneira de enxergar e lidar com as coisas. Acho que autoconhecimento é isso... Aprender a compreender todas as versões e camadas de mim, não para resolve-las, mas para aprender a conviver com todas elas.